Wednesday, November 13, 2024

Visão | “Receio que ainda haja muitos jovens em Portugal que estão a frequentar cursos que não irão criar-lhes condições para uma rápida transição para uma situação de emprego”

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Um estudo levado a cabo em 33 países mostra que os jovens que estão agora a entrar no mercado de trabalho são cada vez mais atraídos por empresas que valorizam a comunidade, que permitem uma maior flexibilidade de horários e que apostam na formação contínua dos seus profissionais.

Uma mudança de paradigma que já está a provocar um forte impacto no tecido empresarial e que obriga a alterações profundas na forma como as organizações atraem novos talentos para os seus quadros.

O trabalho foi desenvolvido pelo CEMS, uma aliança global para a educação em gestão, realizado em 33 países e noutras tantas universidades. Em Portugal contou com a parceria da Nova SBE.

Pedro Martins, professor catedrático desta universidade e antigo secretário de Estado do Emprego, no XIX Governo Constitucional, falou com a VISÃO sobre as conclusões deste estudo e abordou ainda as políticas de emprego nacionais, bem como os modelos que deveriam ser adotados pelas empresas e pelo sistema educativo para melhor lidar com as exigências das novas gerações.

De forma resumida, pode dizer quais são as grandes conclusões deste estudo?
Diria que a principal conclusão tem a ver com a valorização do trabalho de uma forma mais alargada, que não se foca exclusivamente nas dimensões da remuneração. Na perspetiva dos mais jovens, o que o trabalho oferece vai muito além do salário e daquilo a que chamamos as condições clássicas de emprego. Digamos que os aspetos imateriais começam a ser mais valorizados por esta nova geração. O sentido que o trabalho pode oferecer aos trabalhadores é algo que começa a ser mais valorizado.

A formação contínua ganha uma nova dimensão nas pretensões dos jovens?
Os jovens já não querem apenas aprender quando estão na universidade. Querem continuar a sua formação enquanto estão a trabalhar. E há cada vez mais uma procura de postos de trabalho onde possam não só aplicar os conhecimentos que adquiriram anteriormente, mas que lhes permitam continuar a adquirir conhecimentos que os tornem mais valorizados.

E o tecido empresarial está preparado para esta mudança?
Penso que temos alguma diversidade em relação ao que as empresas conseguem proporcionar. Algumas vão estar mais focadas numa lógica de continuidade, de aproveitamento do capital humano adquirido pelos trabalhadores na universidade, ao passo que outras irão conseguir proporcionar um ambiente muito mais enriquecedor em termos de capital humano.

E há diferenças entre setores de atividade e entre áreas geográficas?
As empresas com espaço de produção de conhecimento estão mais bem colocadas para oferecer as condições de trabalho que os jovens procuram. Bem como os países em que existe um maior número deste tipo de empresas, que utilizam o conhecimento de uma forma intensiva, vão ter maior capacidade de atração e de retenção dos jovens trabalhadores.

Mas há bastantes empresários que se queixam de gastar muito dinheiro para melhorar a qualificação dos seus profissionais e, depois de feito este investimento, as pessoas acabarem por sair para empresas concorrentes…
É um risco e um desafio. Mas proporcionar a formação desejada pelo funcionário é também proporcionar um incentivo para que os trabalhadores continuem na empresa. Creio que poderia haver um trabalho de maior coordenação entre empresas do mesmo setor. Se todas elas proporcionarem níveis de formação elevados, este problema não será tão grave. Por um lado, conseguem formar e, por outro, conseguem reter.

No estudo, 61% dos jovens veem com bons olhos o modelo de trabalho híbrido. Defendem maior flexibilidade de horários mas, ao mesmo tempo, querem desenvolver um sentimento de pertença na organização. Está provado que quanto maior é o trabalho remoto, piores são a assimilação da cultura da empresa e a interação com os colegas. Não existe aqui uma contradição?
Penso que tem a ver com uma perspetiva de valorizar o híbrido, mas só até um certo ponto. Os jovens preferem modelos mistos, nos quais conseguem retirar as vantagens do trabalho remoto e, ao mesmo tempo, as vantagens do modelo mais clássico, nomeadamente o potencial de conhecimento mais aprofundado da organização e dos colegas.

Mas, além do modelo híbrido, os jovens que responderam ao inquérito pretendem também uma maior flexibilidade de horário. Esta pode significar uma grande mudança para as empresas?
Um ponto que resulta do estudo é que as empresas oferecem, cada vez mais, um conjunto de condições em que os trabalhadores se sentem mais valorizados. E dessa forma há maior disponibilidade para que os trabalhadores possam trabalhar fora das horas ditas normais.

Tornou-se quase um lugar-comum os gestores de recursos humanos dizerem que “não são as empresas que recrutam as pessoas, mas sim as pessoas que escolhem as empresas para onde querem ir trabalhar”. Na sua opinião, esta mudança de paradigma é uma realidade?
Penso que a realidade é heterogénea. Existem vários mercados de trabalho dentro do mercado de trabalho. Se olharmos para os números macro, vemos que Portugal tem a terceira taxa de desemprego jovem mais elevada da União Europeia. Este facto por si só mostra que a realidade não é essa. Bem pelo contrário. Agora se pensarmos em jovens muito qualificados e com perfis muito específicos, nesse caso temos um mercado que é determinado pelo lado do trabalhador.

E, para esses casos, temos ainda a pressão internacional do mercado de trabalho?
Sim, porque estes jovens muito qualificados têm a oportunidade de trabalhar num outro país que não seja Portugal, com condições remuneratórias e outras, como aquelas de que falámos anteriormente, muito mais generosas.

O que reduz a capacidade de recrutamento das empresas nacionais…
As dificuldades de atração e retenção destes jovens qualificados são cada vez maiores. E o poder negocial do trabalhador torna-se muito forte.

Por que razão temos um desemprego jovem tão elevado quando estamos num mercado em que há falta de mão de obra?
Penso que não existe um ajuste grande entre o lado da oferta de qualificações por parte dos trabalhadores e a procura de qualificações por parte das empresas.

Pode explicar?
Há um grande trabalho a fazer para melhorar o alinhamento entre o que o sistema de educação e formação proporciona e aquilo de que o tecido empresarial precisa. Penso que algumas empresas também mostrarão relutância em oferecer melhores salários, o que poderia resolver parte do problema.

Mas, como disse, o sistema educativo também tem um papel importante para resolver o problema?
Penso que existe um potencial grande de melhoria da flexibilidade do sistema de educação e formação. E não falo apenas do Ensino Superior. Atualmente, temos cerca de 40% dos nossos jovens do Ensino Secundário a fazer cursos profissionais. E penso que aí também necessitamos de ajustamentos. Existem cursos que não estão tão alinhados com a procura do mercado de trabalho e que poderiam dar origem a outros cursos para preparar melhor os alunos para empregos que vão surgindo em áreas mais especializadas.

Defende um sistema mais flexível?
Mais flexível e mais informado sobre aquilo de que realmente necessitam estas novas indústrias que estão a crescer e a oferecer melhores remunerações. O sistema tem de ser mais maleável. Esse é um desafio grande para o Governo.

Precisamos de dar mais informação aos desempregados sobre as ofertas de emprego e mais formação alinhada com as necessidades das empresas. Há programas que estão no bom caminho, mas ainda numa escala muito pequena

Ou seja, com o atual sistema estamos, em muitos casos, a formar jovens desempregados?
Receio que ainda haja muitos jovens em Portugal que estão a frequentar cursos que não irão criar-lhes condições para uma rápida transição para uma situação de emprego. Mas há um potencial grande de melhoria. Já existem alguns programas interessantes para colmatar estas deficiências. O IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional] tem o programa Upskill, que pega em licenciados em áreas não relacionadas com a indústria das tecnologias da informação e, em parceria com estas empresas, proporciona formação para que as transições possam ter lugar. Tem uma dimensão ainda relativamente pequena, mas programas como este podem ajudar muito a reduzir a taxa de desemprego jovem em Portugal.

O sistema de ensino deveria estar cada vez mais alinhado com as organizações que irão empregar os jovens no futuro…
Nesta matéria posso dar o exemplo da Nova SBE, onde procuramos fazer os cursos em parceria com as empresas. Essa é uma prática fundamental para assegurar que os nossos diplomados possam fazer boas transições para o mercado de trabalho. Enquanto estão a aprender, os jovens estão também a interagir com entidades externas. A perceber como funcionam, quais as suas práticas, quais os seus interesses. Esse tipo de abertura à sociedade é muito importante para o sistema educativo, nomeadamente para o Ensino Superior.

E o sistema de ensino como um todo está a fazer essa transição?
Temos de melhorar o alinhamento entre o sistema de educação e a necessidade de formação e as empresas. Mas para isso necessitamos de mais informação de forma a percebermos quais os empregos que estão com maior procura, os que estão a crescer, quais as formações mais necessárias. E, depois, temos de ter maleabilidade no sistema para que, em função dessa informação, possamos fazer crescer os cursos que estão mais alinhados e reduzir os que estão em menor consonância com as necessidades do mercado. Um sistema que tenha pouca informação e que seja muito rígido vai inevitavelmente redundar em taxas de desemprego jovem elevadas. Vai redundar em situações em que as empresas não conseguem contratar, ou em situações em que os trabalhadores têm piores perspetivas para melhorar as suas remunerações. E, tudo isto somado, criamos mais emigração, o que não é bom para o País, pelo menos a curto e médio prazo.

Qual a taxa de empregabilidade dos alunos da Nova SBE?
Praticamente 100%. Temos feito um um esforço muito grande para promover a inclusão. Temos uma despesa da ordem dos três milhões de euros em bolsas, que atribuímos a alunos com elevado mérito mas que apresentam dificuldades económicas para frequentar os nossos mestrados.

Temos um tecido empresarial liderado por uma geração que entrou no mercado de trabalho com conceitos diferentes dos que são agora pretendidos pelos mais jovens. Pode haver um choque cultural?
O mercado de trabalho está mais equilibrado e as empresas sentem que têm de se mobilizar para poderem reter e atrair este novo tipo de talentos. Esta é uma força positiva para a mudança, pois exige que as empresas se modernizem, que ofereçam melhores produtos, que adotem práticas mais ecológicas e com maior consciência social, e num mercado de trabalho mais equilibrado essa mudança tende a ser mais rápida. Já num mercado de trabalho mais clássico, onde existem maior desemprego e menos alternativas, a pressão para a mudança será pequena ou inexistente.

Mas sente que em Portugal existe essa mudança?
Sim. A realidade portuguesa é muito heterogénea, pois envolve 400 mil empresas, para não falar das empresas individuais, mas sinto que da parte dos empregadores e empreendedores, bem como do perfil dos novos trabalhadores, existe uma forte pressão para esta mudança cultural.

Sendo ex-ministro, como vê as políticas de emprego que têm sido desenvolvidas no País?
Temos tido várias mudanças em sentidos diferentes. Por vezes, ainda pensamos o mercado de trabalho de acordo com o paradigma do século XX. Não estamos a valorizar a dimensão da contratação coletiva nem a determinação das condições de trabalho em negociação entre as empresas e os sindicatos. Temos uma lógica de regulamentação muito baseada na legislação nacional e perdemos muitas oportunidades para fazer as mudanças necessárias que permitiriam oferecer melhores condições aos trabalhadores em Portugal.

Mas essas mudanças ainda não são fáceis, sobretudo nas negociações entre sindicatos e entidades patronais…
De acordo com as estatísticas disponíveis, no setor privado apenas 6% dos trabalhadores portugueses são filiados em sindicatos. Mas eu penso que deveríamos trabalhar para ter sindicatos e outros organismos de representação dos trabalhadores mais fortes, que possam dialogar com as empresas para a regulação destas condições de uma forma diferenciada de setor para setor. E acho que ainda há muito para fazer no apoio aos desempregados.

Na sua opinião, o que poderia ser feito?
É uma área onde existe muito para evoluir. Não estamos muito alinhados com as melhores práticas europeias. Precisamos de dar mais informação aos desempregados sobre as ofertas de emprego e mais formação alinhada com as necessidades sentidas pelas empresas. Há programas que estão no bom caminho, como é o caso do Upskill de que já falámos, mas ainda numa escala muito pequena.

Essa deveria ser uma das prioridades das políticas de emprego?
Sim, porque acabamos por ter muitas pessoas desempregadas por longos períodos, o que é mau para elas, para a Segurança Social e para o tecido empresarial, que não pode recrutar, pois muitos destes desempregados não têm as qualificações de que essas empresas necessitam.

A Inteligência Artificial pode trazer mudanças em relação à forma como os jovens se relacionam com o mercado de trabalho?
Eu sou otimista e penso que a Inteligência Artificial vai abrir um novo período de crescimento da produtividade e poderá criar melhores condições de trabalho para os jovens. A Inteligência Artificial deve ser vista como um parceiro e não como um inimigo no contexto do Ensino Superior. Aqui na Nova SBE queremos que os alunos utilizem a Inteligência Artificial e percebam as suas vantagens e desvantagens, as oportunidades e as limitações.

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