Primeiro britânico a ganhar a clássica belga, edição marcada por muita chuva e frio que levou à desistência de dois terços do pelotão, incluindo a maioria dos principais candidatos à vitória
Condições climatéricas dantescas, inúmeras desistências por hipotermia, uma vaga gigantesca e sem precedentes nos últimos tempos de desistências de candidatos… e um vencedor inesperado: a La Flèche Wallonne 2024 fica para a história, como se percebe, não pelos melhores motivos.
Cumprindo a tradição, a 88ª edição da clássica belga, esta quarta-feira, disputou-se a meio da semana entre a Amstel Gold Race e o quarto monumento da temporada, a Liège-Bastogne-Liège, marcada para o próximo domingo, e por todas as referidas contingências criou um cenário inusitado na prova: apenas trinta corredores se apresentaram no sopé do lendário Mur de Huy para discutir a vitória. E tão ou mais surpreendente, foi o triunfo de Stephen Williams, primeiro britânico a vencer a Flèche.
O corredor da Israel-Premier Tech, já vencedor, no início da temporada, da corrida australiana Tour Down Under, impôs-se após fortíssima aceleração a 300 metros da meta e cruzou-a com dois metros de vantagem sobre francês Kévin Vauquelin (Arkéa-B&B Hotels), cuja boa recuperação nos últimos 100 metros ficou curta. O pódio foi completado pelo belga Maxim Van Gils (Lotto Dstny).
A corrida começou a definir-se a cerca de 60 quilómetros do final. Perante um pelotão de sobreviventes, despojado muito cedo de favoritos à vitória, como Tom Pidcock (INEOS Grenadiers), Dylan Teuns (Israel-Premier Tech), David Gaudu (Groupama-FDJ), Mattias Skjelmose (Lidl-Trek), Aleksandr Vlasov (BORA- (hansgrohe), Marc Hirschi (UAE Emirates) e… João Almeida (UAE Emirates), um corredor importante entra em fuga de longe: Soren Kragh Andersen. O dinamarquês da Alpecin-Deceuninck ganha rapidamente 1 minuto de vantagem e começa a enervar os perseguidores, cada vez mais escassos, cansados e divididos.
Na penúltima passagem pelo Mur de Huy, a pouco mais de 30 km da chegada, Stephen Williams faz uma movimentação premonitória da capacidade vencedora, ao atacar no grupo principal e cruza a linha de chegada no topo da subida a 55 segundos do líder Kragh Andersen e 10 à frente de um quarteto formado por Maxim Van Gils (Lotto Dsnty), Kévin Vauquelin (Arkéa-B&B Hotels), Richard Carapaz (EF Education-EasyPost) e Santiago Buitrago (Bahrain Victorious).
Ciente de que seria demasiado cedo para se impor, Stephens Williams aguarda, então, os quatro perseguidores. Atrás, no pelotão, a formação Uno-X, uma das escassas formações ainda com elementos de trabalho, ajudada pela Visma-Lease a Bike, consegue alcançar o quinteto intermédio a 17 km da meta. À frente, Andersen acusa a fadiga e é alcançado antes do final da penúltima subida, a Côte de Ereffe (2,2 km a 5,4%), deixando a luta pela vitória no mítico Mur de Huy a um grupo muito mais do que é tradição na prova.
Da lenta agonia dos corredores contorcidos sobre as máquinas, os cerca de três minutos da íngreme ascensão (1,3 km a 9,8%) elevam a tensão dramática até ao clímax. Por vezes, só à beira do epílogo se revela o glorioso vencedor, mas, desta vez, numa edição hitchcockiana, o improvável Stephens Williams antecipou-se e desenredou a corrida com um ataque irresistível.
«Que dia, que dia… Estou tão feliz… agora! Não acredito que ganhei a La Flèche Wallonne», declarou Williams poucos instantes após a sua vitória. «Há anos que assisto a esta corrida e sempre quis fazê-la com boas pernas e tentar vencê-la. Adoro correr nestas condições climatéricas adversas. Agradeço aos meus companheiros de equipa, que me ajudaram o dia todo», afirmou o britânico, de 27 anos.
Stephen Williams parecia mal colocado durante grande parte da subida final ao Mur de Huy, mas não o impediu de disparar um ataque mortífero para a concorrência. «A estrada estava um pouco bloqueada e estava toda a gente na expectativa. Vi que ainda faltavam 300 metros e disse para mim mesmo: ‘se conseguir atacar daqui e ganhar cinco ou dez segundos ao grupo, tenho boas possibilidade de vencer’. Perto da meta, olhei para trás, tinha as pernas vazias, mas consegui ganhar. Estou exausto, e muito emocionado. Vencer corridas é difícil, principalmente as clássicas, por isso estou muito feliz», concluiu o homem que sucede a Tadej Pogacar.