É em Varziela, concelho de Vila do Conde, no norte de Portugal, que existe uma “China Town” onde cerca de dois mil chineses fazem o seu negócio de importação e revenda de produtos para lojas e clientes individuais. Mas Varziela é mais do que um entreposto comercial: é também um lugar onde há escolas para os filhos dos imigrantes aprenderem chinês aos fins-de-semana, cafés e supermercados étnicos. Eis a vida num lugar que há décadas dá o sustento a uma importante fatia da comunidade chinesa em Portugal
Texto Andreia Sofia Silva, em Portugal
As ruas têm números, e cada número corresponde a um artigo que depois é vendido para uma loja ou feira. No caso da rua 10, são roupas, muitas roupas, malas e sapatos que depois se vendem em vários pontos do país. Por ali vagueiam comerciantes, clientes, crianças. O dia-a-dia habitual continua a acontecer, apesar de ser fim-de-semana.
O lugar em questão fica em Varziela, no concelho de Vila do Conde, muito perto da cidade do Porto. É ali que habita, há vários anos, uma grande fatia da comunidade chinesa a residir em Portugal, onde cerca de duas mil pessoas têm os seus negócios e as suas vidas, tendo sido necessário criar uma rede de serviços adjacente ao negócio que habita nos armazéns.
Y Ping Chow, que vive no país desde criança e preside à Liga dos Chineses em Portugal, acompanha-nos nesta viagem por um sítio peculiar. Ali quase todos são de Zhejiang, a província chinesa de onde é oriunda a maior parte dos chineses que residem em Portugal. É o caso de Sofia Chang, que vive no país há 20 anos, depois de ter deixado o clima frio da Holanda. No seu armazém vende de tudo um pouco, desde artigos de plástico a produtos eléctricos que depois revende para lojas.
Em português, Sofia Chang explica que é na zona de Varziela que gosta de viver, caso contrário já se teria ido embora. “Vim com a minha família, estivemos na Holanda e depois viemos para cá. Gosto mais daqui, na Holanda faz muito frio. Já tínhamos amigos cá. Aqui sabemos que há muitos armazéns de revenda mais baratos e viemos.”
Em Varziela quase todos se queixam que o negócio já esteve bem melhor. “Está a correr assim-assim. Tem sido normal. Temos alguns clientes portugueses e chineses também, mas há mais portugueses. São muito bons clientes”, assegura Sofia.
Quem também se queixa da consequência da crise económica vivida em Portugal na primeira metade da década passada é Jing, que fornece as lojas de produtos turísticos com vários artigos, incluindo os que são feitos com a famosa cortiça portuguesa. Ainda assim, Jing nota algum crescimento nas vendas. “Estou aqui há quase 25 anos. O negócio tem estado difícil, no ano passado foi pior. Está mais ou menos. Agora vendemos mais para lojas de turismo. Em Portugal o turismo subiu muito, e sentimos um aumento nas vendas. Vendemos muitos produtos feitos de cortiça, porta-chaves, vendemos de fábricas portuguesas e também da China.”
Em Varziela, 85 por cento do espaço está ocupado por armazéns, e é difícil encontrar novos terrenos para comerciantes que acabam de chegar. Jing assegura que, há uns anos, chegavam mais chineses para fazer negócio em Vila do Conde.
“Esta zona já existe há mais de 20 anos, e as coisas correm bem. Somos amigos. Nos últimos dois ou três anos notamos menos pessoas a chegar.”
Um lugar com “maturidade”
Y Ping Chow não tem dúvidas. A “China Town” de Varziela “atingiu uma fase de maturidade”, pois “existe há quase 20 anos”. “Queremos desenvolver mais, mas não há espaço, praticamente todos os terrenos estão ocupados. Está esgotado nas zonas mais movimentadas, mas ainda há espaço em zonas menos movimentadas, para onde vão os novos comerciantes. Obviamente que aí há menos procura”, assegura.
Jing gostava de pagar menos impostos, pois em Portugal o Imposto de Valor Acrescentado (IVA) é de 23 por cento, enquanto que na China paga 17 por cento. “Só trabalhamos e ganhamos dinheiro. Temos tudo direitinho (em relação aos impostos), mas são pesados, é muito. É mais difícil ganhar dinheiro.”
Uma das mudanças implementadas nos últimos tempos, ao nível do negócio desenvolvido pela comunidade chinesa, prende-se com a contratação de portugueses para ajudarem nas lojas, para garantir um melhor contacto com o cliente. Por Varziela observam-se muitos cartazes que dizem “Precisa-se de empregada/o”. No caso de Jing, tem um total de 11 portugueses a trabalhar para ele.
Apesar dos anúncios visíveis por toda a parte, Y Ping Chow garante que não é assim tão fácil encontrar empregados portugueses. “Há a preocupação de criar novas empresas (no sentido de diversificar o investimento), mas depois há o problema da mão-de-obra, porque mesmo com uma empresa grande não é fácil encontrar recursos humanos. Há desemprego, mas isso não quer dizer que as pessoas tenham capacidade de trabalhar.”
Jing é, tal como Sofia Chan, de Zhejiang, tendo chegado a Portugal nos anos de 1990. A família veio consigo e hoje os filhos estudam numa escola que lhes garante o ensino do mandarim, português e inglês.
O futuro pode passar por Portugal, assegura. “É igual. Tenho os meus filhos cá, todos vivem aqui e a vida na China é igual à daqui. Não é mau.” A decisão de muitos membros da comunidade chinesa de ficarem em Portugal ou regressarem ao seu país de origem é, acima de tudo, um comportamento geracional, assegura Y Ping Chow, responsável pela abertura do primeiro restaurante chinês no Porto. “Quem cá está há 50 anos já não regressa. Aliás a nossa família já tem dois jazigos. Já não há o problema das campas. Mas há pessoas com cerca de 40 anos, que vieram com os pais e ainda têm uma relação com a China. Há também os vistos dourados, pessoas que estão cá casualmente, de passagem. Há muita gente que fica cá porque aqui há um bom sistema de saúde.”
Aprender chinês ao fim-de-semana
Andamos umas ruas mais à frente e descobrimos um coro de vozes que corta o silêncio de Varziela naquele sábado à tarde. É uma escola para os filhos dos imigrantes chineses que já nasceram em Portugal e que ali têm aulas para não perderem o contacto com a língua e a cultura chinesas.
Vasco Qu é um desses casos. Nasceu em Portugal e com um sotaque tão típico do norte de Portugal responde que os pais “trabalham aqui à beirinha, na rua 10”. “Nunca fui à China, mas gostava de ir. Gosto de viver cá, de jogar futebol e ténis de mesa.” Escolheu não ser do Futebol Clube do Porto, o clube da região onde vive e um dos maiores em Portugal, mas sim do Rio Ave. Para ele, os sentidos invertem-se no que à língua diz respeito. “No início é difícil aprender chinês, mas depois torna-se fácil. Estudo uma hora e meia por dia.”
Ao seu lado, está aquele que é considerado o melhor aluno da turma. É André Hu, de 14 anos de idade, e é o melhor, por já conhecer mais de 6000 caracteres chineses. “Comecei a aprender a língua há oito anos. A minha família trabalha nas lojas, os meus pais são empresários.” Ambição é coisa que não lhe falta. “Quero ser engenheiro mecânico ou técnico. Quero trabalhar com carros, mas gosto de computadores também. Se calhar mudo de país, vou para os EUA, para Harvard ou Londres, se me aceitarem.” A família também é de Zhejiang e já o levou a conhecer a China, ao contrário de Vasco Qu.
Ana Zhou, professora, dá aulas em Varziela há cerca de um ano. “Os meus alunos têm algumas dificuldades na leitura porque não conseguem perceber muito bem o som que nós produzimos e depois confundem na escrita. Têm aulas noutras escolas e este espaço funciona como centro de estudo porque é difícil para eles aprenderem português com uma professora portuguesa.” Ali, os pais que fazem transporte de mercadorias chegam a deixar os filhos nos centros de estudo por umas horas enquanto trabalham.
Na “China Town” há ainda espaço para supermercados e uma escola de danças chinesas que, de três em três meses, recebe funcionários da Embaixada da China que ali vão tratar de documentos consulares com os emigrantes, para que estes não tenham de se deslocar a Lisboa. A uns metros de distância, bem perto da rua 10, há um café que vende os típicos dumplings chineses com um cheiro a genuíno, mesmo que na montra haja refrigerantes de marcas portuguesas.
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Portugal, a casa de 35 mil chineses
Ao fazer as contas sobre o número de chineses que actualmente residem em Portugal, Y Ping Chow revela que cerca de 25 mil estão registados no Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), mas haverá mais. “Há muitas crianças que nasceram cá e outros que se naturalizaram, e não entram nas contas do SEF. Apontamos para cerca de 35 mil chineses em Portugal.”
O empresário considera que a política dos vistos dourados “é uma forma mais interessante para os chineses”, pois, na maior parte dos casos, “o chefe de família nunca está”. “Em Portugal fica a esposa e ficam os filhos a estudar, enquanto o marido está na China a fazer os seus negócios. Haverá sempre um pequeno crescimento [da comunidade emigrante], pois enquanto a política dos vistos dourados se mantiver há sempre empresários chineses que querem vir cá”.
Wang Suoying, professora universitária radicada em Portugal, contou à MACAU que a comunidade chinesa “faz parte de uma nação que trabalha muito”, mas que, com o passar dos anos, soube diversificar as áreas de actividade em que actua. “Antes os portugueses tinham a ideia que os chineses só trabalhavam em restaurantes ou em lojas, mas hoje em dia já não é assim. Hoje os chineses fazem todo o tipo de trabalho. A comunidade chinesa não é apenas composta pelos grandes investidores, mas há também emigrantes. Temos uma grande empresa em Portugal que trabalha na área dos média e há agentes desportivos que trabalham na área do futebol, que enviam os treinadores de futebol para a China e trazem jogadores para cá”, exemplificou.
A comunidade é representada por cerca de 40 associações que fazem de tudo um pouco, desde apoiar empresários a organizar actividades culturais que fazem os emigrantes manter um contacto próximo com o seu país.
Décadas depois da chegada dos primeiros chineses a Portugal, Wang Suoying nota que há uma maior ligação entre portugueses e chineses. “Há menos discriminação e desconfiança por parte dos portugueses. Antes poucos [chineses] falavam português, porque a maior parte trabalhava nas cozinhas dos restaurantes e não precisava de falar a língua. Mas hoje em dia as pessoas aprendem português e vão a eventos organizados pelos portugueses. Os chineses e portugueses estão mais íntimos. Como agora fazem todo o tipo de trabalho, há mais diálogo”, assegura.