Caro leitor,
Eu não sou do Benfica mas acredito que mesmo alguns benfiquistas quando ouviram que o primeiro-ministro ía falar ao país pelas oito da noite terão pousado o cachecol. Quando o chefe do Governo fala ao país em horário nobre, o assunto é sério e quando aparece rodeado das ministras da Justiça e da Administração Interna e dos responsáveis máximos da PJ, do SSI, da GNR e da PSP (esqueceu-se do SIS?), é porque tem coisas sérias a anunciar. Mas Luis Montenegro cometeu um erro imperdoável: seduziu-nos e não correspondeu.
O anúncio de 20 milhões para comprar 600 veículos para as polícias é uma boa notícia mas competia à ministra da Administração Interna. A proclamação de que “Portugal é um dos países mais seguros do mundo, mas é preciso não viver à sombra da bananeira” não dá direito a estragar o jantar a ninguém. A divulgação do desmantelamento de “duas redes criminosas no âmbito da imigração ilegal e do tráfico de pessoas” competia à Polícia Judiciária. Os dados divulgados sobre a campanha “Portugal sempre seguro” confirmam uma operação com resultados indignos de uma comunicação ao país em horário nobre – restaurantes fechados pela ASAE, condutores alcoolizados e fora da lei, falsas malas Chanel, poupem-nos! E quanto à hora não ter sido escolhida “em função de nada em especial”, desculpe senhor primeiro-ministro, mas não é verdade.
A comunicação foi marcada para as 20h porque Luis Montenegro quer explorar o filão da insegurança. E quer explorar o filão da insegurança porque está eleitoralmente inseguro. Inseguro face ao Chega, inseguro face ao almirante que se vai candidatar a Presidente da República com a aura de ‘respeitinho e ordem’, e inseguro face às sondagens que mostram uma AD que não descola. Montenegro está melhor que a AD, porque enquanto na guerra partidária o PS e o Chega resistem e os partidos do Governo crescem pouco, quando perguntados sobre em quem confiam mais para governar o país os eleitores descolam o primeiro-ministro de Pedro Nuno Santos. Deve ser por isso que Montenegro replica António Costa e assume-se cada vez mais como o rosto e a voz de um Governo (quase) de um homem só.
O ‘número’ da comunicação às oito da noite foi um mero momento de propaganda política e falhou. Não porque o binómio segurança/insegurança não seja tema – é tema político e tende a sê-lo cada vez mais, cabendo aos partidos de Governo antecipar respostas e impedir que continuem a ser outros a ocupar vazios (Pedro Nuno Santos já percebeu isso e não segurou Ricardo Leão apenas por estar preocupado com Loures, mas por saber que as autárquicas vão desempoeirar esta conversa). Mas o ‘número’ do telejornal falhou por desproporção (a foto das fardas em S. Bento chega a ser cómica num dos países mais seguros do mundo), falhou porque não tinha conteúdo (prevenir é bom mas não dá direito a tanto espavento) e falhou porque foi omisso em questões que, enquanto não tiverem resposta, aconselham menos foguetório.
Luis Montenegro não pode anunciar como um troféu que já foram detidos suspeitos dos atos de vandalismo que incendiaram noites seguidas na Grande Lisboa e ignorar quando lhe perguntam sobre o inquérito ao polícia que matou Odair Moniz no Zambujal. Não deve anunciar o desmantelamento de redes ilegais de imigração sem uma referência que seja (já que pegou na imigração) ao andamento ds 400 processos ilegais herdados da AIMA. E se quer diferenciar-se de Ventura convém que trabalhe o discurso e dê resposta com nexo ao que realmente conta nesta história e que passa pelo binómio segurança/integração.
“Não deixaremos ninguém para trás, todos os contextos devem ser atendidos: o laboral, social, familiar, o contexto do acesso a bens fundamentais…”, foi a única frase do primeiro-ministro quando lhe perguntaram se tenciona ir à Cova da Moura, onde Marcelo se passeara horas antes. Embora sendo promissora, a frase é fraca e Isaltino Morais, o autarca que há anos palmilha os bairros e que foi à SIC comentar o ‘happening’, disse-o indiretamente: “Os políticos deviam ir aos bairros era antes dos tumultos”. Normalmente chegam tarde. E quando se chega tarde (mesmo quando se acabou de chegar) fica-se mais vulnerável, à demagogia, à propaganda e ao desnorte.
Quando Odair morreu às mãos de um polícia, o Governo não apareceu, deixou somar noites de tumultos sem falar e não houve comunicações ao país a abrir o telejornal. Pecaram por defeito. Ontem, a declaração em S. Bento, onde ministros e polícias foram chamados de emergência para uma reunião pró-forma que durou menos de uma hora, pecaram por excesso. Eu nunca trabalhei no Correio da Manhã, mas qualquer jornalista das chamadas secções de ‘crime’ sabe que os balanços das operações policiais são rotina e sempre foram tratados nos jornais diários, mesmo nos mais sensacionalistas, em notícias breves, eventualmente com chamadas de capa, se o impacto social justificar. Se fosse jornalista do CM, Montenegro não teria conseguido fazer manchete. E para anunciar mais 20 milhões, não era preciso atropelar o Benfica.
Fica o precedente. Se quando são detidos ‘suspeitos’ de terem posto em causa a ordem pública, o primeiro-ministro fala ao país em registo solene para aplaudir as polícias e anunciar mais meios, o que fará quando a competente PJ apanhar suspeitos de criminalidade económica e financeira, seja em empresas, em câmaras municipais, em clubes de futebol, ou em partidos. Diz que à Justiça o que é da Justiça? Ou faz uma comunicação ao país? É verdade que o Chega tem andado mais virado para a segurança do que para a corrupção, mas não se iludam.
Os eleitores que vomitam o sistema estão tão fartos de desigualdades sociais e da insegurança que parasita desgovernos vários, como estão fartos de ver gente a ir ao pote. Ter um ex-primeiro-ministro acusado de corrupção a fazer tricô com o Código de Processo Penal para fugir ao julgamento é adubo para demagogos e dava um bom ‘número’ às 20h na tv. Mas convém ter coisas palpáveis para dizer.
Até para a semana