Monday, December 23, 2024

Inovação no combate às infeções hospitalares: projeto Bactometer com «grau de maturidade elevado»

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Publicado em 14 de novembro de 2022

A Bactometer, um projeto desenvolvido pela startup portuguesa Cobe Tech, representou Portugal na final dos eAwards Global, que decorreu o mês passado, em Madrid. Não foi o vencedor, mas tal não retira qualquer mérito ao facto de ter estado entre os 15 projetos vencedores da Europa e América Latina: Bélgica, Brasil, Chile, Colômbia, DACH – Alemanha, Áustria e Suíça, Espanha, Holanda, Itália, México, Perú, Portugal, Reino Unido e Roménia. 

Em entrevista à Just News, Diogo Caetano, CEO da Cobe Tech, explica por que motivo a Bactometer foi considerada uma solução tão inovadora pela NTT Data Foundation.

Esclarece igualmente como foi importante terem ganho o prémio local em setembro, a 21.ª edição dos eAwards Portugal, que permitiu à sua equipa receber na altura 10.000€ e um apoio considerado crítico, de acesso a um “programa de aceleração especializado”, visto o projeto atravessar de momento o “vale da morte”.

Cuidados de Saúde Intensivos: “Onde podemos causar mais impacto”

Just News (JN) – Como surgiu a ideia de desenvolverem a Bactometer? Em que consiste e por que é inovador?
Diogo Caetano (DC) – O Bactometer é um detetor biológico ideal para combater a resistência antimicrobiana em ambiente hospitalar se usado como método de rastreio. Tem a precisão dos métodos mais caros e sofisticados (e.g. PCR).

Pelo custo dos métodos clássicos e menos precisos (e.g. culturas), produz um resultado em menos de 1 hora e pode ser utilizado por qualquer pessoa sem muita experiência (similar a um teste de COVID).

Estas características inovadoras são possíveis porque usamos métodos magnéticos e “inteligência artificial” (machine learning), em vez de métodos óticos utilizados pela maioria das tecnologias existentes.

As tecnologias por trás do Bactometer têm vindo a ser desenvolvidas no INESC MN e INESC-ID (institutos de investigação onde trabalhamos) nos últimos 15 anos, bem antes da ideia do Bactometer aparecer. E foi todo este esforço anterior por vários investigadores e professores, liderado pelo Prof. Paulo Freitas e o Prof. Moisés Piedade, ambos do IST, que nos permitiu criar agora o dispositivo a que chamamos Bactometer.

O Bactometer consiste na junção de duas técnicas, uma de deteção de células e outra de análise de ácidos nucleicos (DNA, RNA). A concretização destas tecnologias num dispositivo focado na deteção de bactérias resistentes, resultou daquilo que só se pode considerar uma “tempestade perfeita”, no bom sentido.

Quatro investigadores dos INESCs e alunos de doutoramento do IST participaram num programa doutoral (Advanced Integrated Microsystems financiado pela FCT) onde o objetivo era exatamente a convergência de várias disciplinas no mesmo projeto. Neste caso o trabalho conjunto foi feito pela Rita Soares e Débora Albuquerque (Biologia, Biomédica e Física), bem como o Ruben Afonso e eu próprio (Eletrónica, Processamento de Sinal e Machine Learning).

Além disso, todos nós estamos a participar num programa de transferência de tecnologia da HiSeedTech, onde já contamos com cerca de 200 horas de formação cada um. Foi neste programa que validámos que é nas unidades de cuidados intensivos (UCI) onde podemos causar mais impacto numa fase inicial de entrada no mercado. Isto porque todos os dias, em hospitais pelo mundo, pacientes colonizados com bactérias multirresistentes entram pelas UCIs, para serem tratados de outras condições agudas.

Sem saber, introduzem estes microorganismos no ambiente hospitalar, onde eles depois proliferam, desenvolvem mais resistências e infetam 1/5 de todos os pacientes que são hospitalizados. Isto acontece porque nas UCIs não há tempo para esperar 48-72 horas por uma cultura para saber onde internar o paciente.

O nosso teste, quando implementado, demorará menos de 1h e identificará a estirpe da bactéria e os seus mecanismos de resistência. Esta informação vai permitir lidar com o paciente de forma apropriada, com cuidados de assepsia redobrados (eventual isolamento) e vai limitar o uso/abuso profilático de antibióticos que tem contribuído em muito para o aumento do problema.

JN – Quem são as pessoas que integram a equipa?
DC – A equipa é composta por mim (Diogo Caetano), o Ruben Afonso, a Débora Albuquerque e a Ana Rita Soares.

Eu tenho um Doutoramento em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores, do Instituto Superior Técnico, e sou investigador do INESC MN, onde foco o meu trabalho em criar sistemas de aquisição de alta precisão para sensores (magnéticos, no caso do Bactometer). A Rita Soares tem um Doutoramento em Física Tecnológica do IST e trabalha no desenvolvimento dos sensores magnéticos do Bactometer, na microfluídica e na marcação biológica dos analitos alvo.

A Débora Albuquerque está a terminar o Doutoramento em Engenharia Biomédica e foca o trabalho dela na deteção de doenças contagiosas usando deteção de ácidos nucleicos.

O Ruben Afonso está a terminar o Doutoramento em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores no IST e foca o trabalho dele no desenvolvimento de hardware para interface com sensores.


Diogo Caetano

JN – Quanto ao prémio que receberam de 10.000 €, foi mais relevante pelo aspeto financeiro ou pela motivação que vos terá transmitido?  
DC – Os 10.000 € foram a diferença entre o projeto avançar ou não. Nesse sentido foi fundamental, pois o Bactometer já atingiu um nível tecnológico que, no mundo do empreendedorismo, é conhecido como o “valley of death” ou vale da morte em português.

A razão para isso, neste caso particular, é que a tecnologia está demasiado avançada para ser financiada por orçamentos de investigação, mas ainda não avançada o suficiente para garantir investimento de risco privado. Ao mesmo tempo, a propriedade intelectual que temos (patente) começa a custar valores significativos, que este prémio permitirá cobrir.

Em termos de motivação, foi um boost extraordinário, pois trouxe a validação de uma entidade e pessoas independentes, a NTT DATA e o Júri do eAwards neste caso, que nos reafirmaram que o problema que resolvemos é reconhecido pela sociedade e que o nosso caminho é a solução para a pandemia da resistência antimicrobiana.

JN – Estiveram na final internacional dos eAwards, em representação de Portugal. Não venceram, mas a expectativa é que consigam implementar esta solução em breve no mercado? Quais os próximos passos?

DC – O próximo passo é o financiamento. Até agora temos contado com o apoio dos institutos de investigação onde trabalhamos, o INESC MN e o INESC-ID, mas, como mencionei, existem poucos mecanismos de financiamento de investigação para este tipo de projetos avançados e de alto risco.

Neste sentido, estamos a trabalhar para ter acesso aos fundos da União Europeia para start-ups deeptech de elevado impacto.

Procuramos também investimento privado de alguém que, além de querer investir o seu capital e apoiar o nosso projeto, também tenha interesse em fazer parte da solução deste problema que, já hoje é responsável por 1.3 milhões de mortes, todos os anos, e que pode rapidamente levar-nos para um estado constante de ameaça e períodos pandémicos recorrentes similares à experiência que tivemos com o COVID.

JN – Na final internacional competiram com projetos de 14 outros países. É caso para dizer que, só por si, a presença é uma vitória?
DC – A verdadeira vitória será quando conseguirmos ter impacto positivo na saúde e vida dos pacientes e proporcionar um ambiente seguro e informação de qualidade aos trabalhadores do setor da saúde, de quem todos nós dependemos.

Mas sim, poder apresentar o nosso trabalho, made in Portugal, num palco internacional ao lado de pessoas e empresas criativas e inovadoras de vários cantos do mundo é, em si mesmo, um reconhecimento e uma vitória para a ciência que se faz no nosso país.


Débora Albuquerque, Diogo Caetano e Ruben Afonso (Cobe Tech) com Tiago Barroso, CEO da NTT DATA Portugal


Bactometer: grau de maturidade elevado


Quisemos também saber o que pensa Tiago Barroso, CEO da NTT DATA Portugal, das mais valias apresentadas pelo projeto da Bactometer. Em entrevista à Just News, o responsável deixa claro o empenho da organização que lidera na promoção da inovação e empreendedorismo em Portugal, reconhecendo que os projetos de saúde são os que mais se têm destacado.

A preocupação em reunir um conjunto de meia dúzia de reputadas personalidades para júri dos eAwards, que vão sendo gradualmente renovadas a cada ano, é revelador do empenho da NTT Data Portugal nesta iniciativa, como Tiago Barroso explica.

JN – Há quanto tempo a NTT DATA está em Portugal?
TB – A NTT DATA é uma consultora de negócios e tecnologia, que reinventa e transforma a atividade das organizações através da inovação.

Tem atividade em Portugal há mais de 20 anos e conta hoje com mais de 1.500 consultores empenhados diariamente em inovar em setores de atividade tão distintos como banca, seguros, utilities, saúde, tecido industrial e Administração Pública.

Globalmente, tem cerca de 150.000 colaboradores distribuídos por mais de 52 países, sendo considerada uma das 10 maiores empresas de serviços de tecnologias de informação do mundo.

JN – Os eAwards premeiam projetos com “uma forte componente de inovação”. A saúde tem tido sempre um peso muito grande nos projetos apresentados?

TB – Os eAwards apoiam projetos com uma forte componente de inovação na área da saúde e biotecnologia, digitalização e ambiente. No histórico de edições dos eAwards Portugal, os projetos de saúde são os que se têm destacado mais, de facto, até pelos primeiros lugares e menções honrosas que acabaram por receber na competição internacional.

Destaque para os primeiros lugares conquistados internacionalmente pela Exogenous Therapeutics e Uromonitor, mas também para as menções honrosas atribuídas ao projeto Heart Genetics.

JN – No júri estão representadas as mesmas entidades anualmente?
TB – O júri dos eAwards é constituído por personalidades destacadas de organizações nas áreas de inovação e empreendedorismo.

Temos procurado manter um fio condutor na constituição deste painel, o que se reflete na presença continuada de algumas destas personalidades, ao longo dos anos, mas entendemos que é muito importante acrescentar novos pontos de vista e contributos, a cada edição, razão pela qual todos os anos temos novos membros no painel. A edição deste ano, teve como jurados:

  • Ana Paula Moutela, executive coach
  • Luísa Pinheiro, diretora Sociedade Ponto Verde
  • Pedro Moura, managing director Merck
  • Pedro Vilarinho, diretor HiSeedTech
  • Ricardo Torgal, partner Indico Capital Partners
  • Rui Lima, advisor Startup Lisboa


JN – O Bactometer aborda um dos temas de mais difícil resolução na saúde, as infeções hospitalares. Será um excelente exemplo de como a tecnologia pode ajudar decisivamente na saúde?
TB – Sem dúvida. O caso da Cobe Tech e do Bactometer são um bom exemplo de como a tecnologia pode contribuir para a resolução de problemas sociais e de saúde.

De acordo com o Diogo Caetano, CEO da Cobe Tech, as bactérias multirresistentes provocam cerca de 4,5 milhões de infeções hospitalares todos os anos na Europa, o que é revelador do impacto que esta patologia tem no contexto hospitalar.

Identificar rápida, precoce e eficazmente estas situações pode trazer ganhos enormes à sociedade, tanto do ponto de vista de saúde e qualidade de vida dos utentes, como de economia, na medida em que pode resultar em poupanças de recursos técnicos e humanos.

Apesar da grande qualidade dos projetos que disputaram o prémio local dos eAwards, creio que o júri valorizou mais o projeto Bactometer pelo problema que se propõe endereçar, mas também pelo grau de maturidade que já apresenta a solução.


seg.


ter.


qua.


qui.


sex.


sáb.


dom.