Sunday, November 24, 2024

Doctor, Doctor give me the news

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Palpitações no coração, dores no peito, falta de ar, tendências depressivas – todos são sintomas que justificam uma visita a um hospital. No entanto, a possibilidade de passar a fase da triagem é reduzida se confessarmos que a razão de ser destas maleitas são matérias românticas. No melhor dos casos, ser-nos-á colocada uma pulseira não-urgente e a chance de uma eternidade passada à espera de um médico que com certeza nos levará tão a sério como se fôssemos a uma esquadra reportar fantasmas. Mas, ao contrário de qualquer queixa sobrenatural, os efeitos de um desgosto amoroso são bem reais. Ainda que tenham sido descartadas durante décadas, as condições de saúde causadas pela peculiar dor que apenas o coração sente devem ser levadas a sério. Não mencionamos os óbvios fatores psicológicos, aqueles que convidam visitar um terapeuta, referimo-nos antes aos sintomas físicos do coração partido. Felizmente, a comunidade científica interessa-se pelo que acontece ao corpo quando o desgosto nos corre nas veias. As descobertas por parte de cientistas espalhados por todo o mundo revelam a forma como as nossas emoções são fenómenos tão físicos como psicológicos.

Fogo que arde, mas que se vê (exclusivamente num TAC)

A ciência faz-se a partir de noções que são comuns e que, ainda que possam ser discutidas, são aceites como verdade até provadas como falsas. A comunidade científica concorda por unanimidade que desgostos amorosos podem ser os catalisadores para uma miríade de problemas de saúde. No entanto, a razão desta relação ainda é uma incógnita a partir da qual se constroem diversas teses, a primeira das quais é também a mais basilar. Ao olhar para o cérebro de uma pessoa que passa por um desgosto amoroso, equipas de cientistas observaram uma atividade cerebral extraordinariamente semelhante àquela de quem sente dor física. A partir destas observações, constataram que a dor emocional e física é emitida pela mesma parte do nosso cérebro, a ínsula anterior e o córtex cingulado anterior. De acordo com as descobertas feitas por Meghan Laslocky no seu livro bestseller The Little Book of Heartbreak: Love Gone Wrong Through the Ages (2012), a sensação de dor é derivada do estímulo simultâneo do sistema nervoso simpático e parassimpático. O primeiro é responsável pela ativação dos nossos instintos mais primordiais de sobrevivência enquanto o segundo assegura funções inconscientes como digestão, respiração e o nosso batimento cardíaco. Ao apelar aos dois em simultâneo, o desgosto amoroso pode desencadear sensações de aperto no peito, dificuldade em respirar, etc.

Mas, de forma a entender como a falta de amor nos afeta, outros decidiram ir diretamente à fonte. Ao estudar a presença do misterioso fenómeno, um grupo de cientistas deduziu o desconforto que a sua ausência cria. Em 2005, uma equipa de investigadores liderada pelo psicólogo clínico Art Aron, analisou a atividade cerebral associada ao amor. Ao observar os participantes do estudo à medida que a estes eram apresentadas fotos dos seus parceiros, os cérebros dos mesmos revelaram que o amor romântico ativa picos de dopamina intensos no núcleo caudado. Esta curiosa parte do cérebro é responsável pela motivação e comportamentos com objetivos concretos. As observações de Aron sugeriram algo inédito – o amor não é uma emoção quantificável, mas sim um estado de mente com um objetivo concreto. De acordo com o funcionamento dos nossos cérebros, o amor romântico não passa de uma motivação em obter e preservar afeto. As conclusões deste estudo alteraram permanentemente a forma como os cientistas comportamentais pensam no desgosto amoroso. Os estímulos de dopamina na parte do cérebro que o romance ativa não lhe são exclusivos, aliás, são extremamente idênticos à resposta que a nossa fisionomia tem a substâncias como nicotina ou cocaína.

Este estado de mente motivacional segue exatamente o mesmo padrão: experimentamos a substância, esta gera sensações positivas e, como consequência, o nosso corpo quer mais. Não é que o amor seja como uma droga, mas, quando se trata da química do nosso cérebro, o amor é uma droga. A relação entre o romance e a dependência é bem mais que metafórica, é factual. A extensão desta equivalência deu fruto a dezenas de outros estudos, como o liderado pela antropóloga biológica Helen Fisher que procurou entender a química cerebral de pessoas que foram abandonadas num relacionamento romântico. O que descobriu foram semelhanças assustadoras com a toxicodependência. A dor e o desconforto sentidos por alguém a passar por um desgosto é semelhante à abstinência de algumas das drogas mais poderosas que existem. E, tal como é o caso em instâncias de dependência dita normal, o risco de recaída é gigante. De um telefonema após uma saída à noite a uma pesquisa no Instagram perigosa, os momentos de fraqueza são sentidos como o retorno a um vício. Padrões de sono desregulados, ansiedade, depressão, declínio cognitivo: a dor do desgosto amoroso tem ramificações extensas. Ao estudar o cérebro de uma pessoa de coração partido, cientistas descobriram que as partes do cérebro que estão ativas são semelhantes àquelas de uma pessoa que foi recentemente queimada. Quem diria que a poesia de Camões é tão bonita quanto científica.

Fazer das tripas coração

Abordamos matérias quase completamente psicológicas, mas o desgosto pode também materializar-se no corpo. A condição conhecida como Miocardiopatia de Takotsubo é uma doença peculiar que altera a fisionomia do coração, expandindo o ventrículo esquerdo, enfraquecendo-o no processo. O fenómeno cardíaco é responsável por 2% de todas as síndromes coronárias agudas que aparecem em hospitais, isto é, todas as alterações ao fluxo de sangue nas artérias coronárias, normalmente identificadas por dores no peito. Este fenómeno, também conhecido como a síndrome do coração partido, é causado por um fluxo de hormonas associadas ao stress, como a adrenalina. Ainda que a condição possa desaparecer sozinha, as suas complicações são assustadoras. De uma paragem cardíaca a um AVC, com tempo para o aumento de probabilidades de cancro, a condição deve ser levada a sério. No entanto, apesar da sua gravidade, a Miocardiopatia de Takotsubo ainda é um mistério. O nome da condição refere-se ao termo japonês para uma armadilha de polvos. O nome deve-se ao formato do ventrículo esquerdo após a deformação que é extremamente semelhante ao instrumento utilizado para capturar os moluscos. Se a associação parece estranha é porque é, mas a oportunidade de nomear a síndrome não é exatamente uma fonte de orgulho para a comunidade médica japonesa. No inverno de 2004, várias mulheres na região de Chūetsu invadiram os hospitais da área com queixas semelhantes: dores no peito e falta de ar. Tinha passado pouco mais de um mês desde o sismo de Chūetsu de 2004, um terramoto com uma magnitude de 6,8 na Escala de Richter que matou 69 e deixou 4.805 pessoas feridas. Os eletrocardiogramas das pacientes revelavam algo curioso. Ao contrário do esperado pelos médicos, as suas artérias coronárias não se encontravam bloqueadas, mas sim mutadas, com uma forma invulgar. Ainda hoje em dia, o fenómeno parece ligado ao país por razões misteriosas: cerca de 7% de todas as admissões hospitalares relacionadas com problemas cardíacos são identificadas como Miocardiopatia de Takotsubo. A condição não é apenas assustadora, prova o que os poetas nos dizem há séculos, a dor de um coração partido pode ser letal.

Ainda que, para tratar a condição, um medicamento tão simples como uma aspirina seja suficiente, remediar a sua causa é um problema bem mais complicado. Para as ramificações do desgosto que escapam à fisionomia do coração, um comprimido não chega. No livro supracitado, Laslocky identifica três formas de entender como processar o desgosto para que os seus efeitos patológicos possam ser ultrapassados: exercícios calmantes, conexão e motivação. Os seus princípios são relativamente simples de entender, mas a sua execução pode ser complicada. Visitas a um psicólogo ajudam, noites com amigos e vinho também. O caminho para a recuperação não é linear, mas, independentemente da rota, o tempo ajuda sempre. Perdoe-se o clichê, mas a sua veracidade é inegável

Publicado originalmente na edição maio/junho da GQ Portugal, disponível aqui.

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