Traduzido por
Helena OSORIO
Publicado em
7 de novembro de 2024
Convertida num destino de ouro na Europa, capital fétiche dos nómadas digitais e das fortunas em busca de novos horizontes de investimento, Lisboa acolhe há anos uma onda de turismo e imigração marcada pelas consequências do Brexit e da pandemia. De carácter cosmopolita e dimensões acessíveis, a cidade portuguesa é interessante pelos seus preços atrativos, pelo seu clima ameno, pela sua localização geográfica privilegiada e pela sua rica gastronomia. E convence os estrangeiros com a sua qualidade de vida e o seu potencial a explorar, criando um efervescente ecossistema cultural, artístico e de moda em que o local e o artesanal se fundem com as tendências internacionais. Paralelamente, este clima expansionista coexiste com iniciativas governamentais de redução de impostos para travar o êxodo juvenil com visões críticas sobre a progressiva gentrificação da cidade e manifestações contra o aumento das rendas impulsionado pelo desenvolvimento de apartamentos turísticos. A questão é inevitável: conseguirá Portugal encontrar o difícil equilíbrio sem morrer no seu próprio sucesso?
A evolução da cidade, não isenta de atritos, alia-se à vontade de transformar um mercado tradicionalmente associado à produção têxtil e de calçado, que pressupõe a produção local de um vasto leque de empresas europeias: desde empresas de luxo a conglomerados de fast-food-moda. Só o setor do calçado, concentrado maioritariamente num cluster de 1.500 empresas da região norte, em torno do Grande Porto, eleva a sua produção para 80 milhões de pares anuais, dos quais 90% são exportados para 100 países, assumindo um volume de negócios de 2.000 milhões de euros. Mas a indústria portuguesa trabalha há anos para elevar o seu posicionamento face ao design e jogar na liga da criação sob o impulso das suas próprias marcas e designers. Portugal não quer apenas estar na moda, mas sim criá-la.
Uma cidade dinâmica
“Tornámo-nos num país muito atrativo pelo estilo de vida que propomos, pela qualidade dos nossos produtos e pela rentabilidade dos nossos investimentos”, disse à FashionNetwork.com, Paulo Gonçalves, diretor de Marketing da APICCAPS, a associação portuguesa das indústrias de calçado, atividade de que têm vivido nos últimos anos, despertando o interesse de celebridades, investidores ou empresas de alto nível. “Especificamente, a cidade de Lisboa está cada vez mais bem posicionada para atrair a atenção da clientela de luxo”, acrescentou o responsável.
Sem ir mais longe, a maison francesa Dior abriu a sua primeira boutique do mercado na capital portuguesa, no final do ano passado. Situada na arborizada avenida da Liberdade, que liga a raça Marquês de Pombal à praça do Rossio, a artéria acolhe marcas premium acessíveis como a Massimo Dutti, a Cos ou a Maje; bem como os principais players de luxo presentes na cidade como a Louis Vuitton, a Loewe, a Burberry, a Michael Kors ou a multimarca Fashion Clinic, pertencente ao conglomerado local Amorim Luxury, propriedade da empresária portuguesa e ex-administradora da Tom Ford International, Paula Amorim.
Por outro lado, a gigante galega Inditex inaugurou em setembro passado uma superloja Zara com 5.000 metros quadrados, que inclui um piso dedicado à decoração e uma cafetaria onde não faltam os famosos pastéis de nata (originalmente de Belém).
A alegre estética portuguesa também ganha espaço nas redes sociais. Há meses que proliferam os vídeos “fix it with me” ao estilo das portuguesas: um ousado “mix&match” de tecidos, cores, volumes, estampados e acessórios com personalidade que revisita o popular estilo escandinavo de uma forma fresca e arrojada. Também não faltam os reels virais ou os TikToks para descobrir as marcas preferidas dos influencers portugueses ou as lojas onde encontrar as suas roupas coloridas.
“Em poucos anos, Lisboa tornou-se uma cidade de moda e de tendências. Há cada vez mais estrangeiros que vêm à procura de empreendedorismo em áreas criativas ou de criação de conteúdos”, comentou um jornalista local frequentador habitual dos desfiles, mantendo um otimismo céptico relativamente à construção de uma “cidade decorada” que esteja longe “da realidade da maioria dos portugueses”.
A semana da moda da capital, que sob a égide da plataforma ModaLisboa celebrou a sua 63.ª edição entre 10 e 13 de outubro, tenta surfar na onda das tendências para dinamizar o panorama português criativo e da moda, apostando num crescimento respeitoso e sustentável. “Nesta edição atingimos uma grande dimensão e despertamos grande interesse no estrangeiro. Voltámos ao patamar das nossas melhores épocas antes da pandemia”, comentou motivada Lígia Gonçalves, assessora de imprensa internacional do evento. Na sua última edição, a ModaLisboa propôs uma agenda completa de 22 desfiles e apresentações de moda, uma pop-up store de marcas locais e várias exposições e palestras sobre o setor.
Entre os presentes no evento destacaram-se um bom número de celebridades, influencers, imprensa especializada e profissionais de diversas áreas criativas como a moda, a fotografia ou as artes plásticas. “A ModaLisboa funciona como um espaço para fazer ligações e networking interessantes”, celebraram dois empresários britânicos que vivem em Lisboa há um ano, promotores de um novo espaço de coworking. Por outro lado, um agente de modelos espanhol que vive na capital há mais de uma década congratulou-se com o “bom funcionamento” do negócio de manequins no mercado português e com o “movimento” gerado pela cena da ModaLisboa, em que vários profissionais da sua agência participaram.
Como estratégia de promoção da atividade e da dinâmica turística, que contrasta com a abordagem das edições anteriores com shows num único local, a ModaLisboa optou por propor eventos em diferentes pontos da cidade. Se o recém-inaugurado hotel Locke em Santa Joana, instalado num convento do século XVII perto do Marquês de Pombal, se tornou o ponto de encontro da imprensa especializada; o renovado MUDE, museu do design, abriu as suas portas após oito anos de encerramento para receber as apresentações do Sangue Novo, que reúnem propostas de talentos emergentes. Não muito longe dali, a poucos passos da praça do Comércio, o amplo espaço do Pátio da Galé acolheu desfiles de marcas como os consagrados Luís Carvalho ou Dino Alves.
Nova onda de design
Entre os destaques da agenda destacou-se o nome de Constança Entrudo, designer formada pela Central Saint Martins e com formação em marcas como a Balmain, Peter Pilotto ou Marques’Almeida. Conhecida pelas suas propostas experimentais e pelo domínio das malhas, às quais aplica frequentemente inovações na forma de tecidos desfiados, organizou a apresentação da sua última coleção, que contou com uma colaboração com a marca americana de botas Timberland, no showroom Lisa.
Por sua vez, o criativo João Magalhães optou por organizar uma performance interativa no seu próprio atelier, em que os convidados puderam interagir com as roupas e modelos, além de adquirir itens na hora como compromisso com o “veja agora, compre agora”.
“A moda deve ser mais do que apenas fazer coisas”, declarou o designer, refletindo a sua insatisfação com a indústria e a necessidade de explorar novos modelos. “Como artista, a minha responsabilidade é transmitir um significado mais profundo através do meu trabalho. Apresento apenas quatro peças novas. Recuso-me a criar grandes quantidades de roupas até vender o que já fiz. As roupas não são um ovo ou um vegetal. Não apodrecem de uma estação para outra”, disse.
Formada na Universidade de Kingston, em Londres, Joana Duarte continuou o seu trabalho de conservação do património cultural português através da sua marca Béhen, um projeto centrado na proteção de técnicas ancestrais, no savoir-faire artesanal e na valorização de tecidos; enquanto a marca minimalista de streetwear Hibu reivindicou a subcultura mexicana dos anos 90, “Modern Cholas”, através de roupas nostálgicas com corte unissexo.
A atracção em torno do evento prendeu-se sobretudo com a centralização este ano dos desfiles de moda portuguesa na capital, concentrando as atenções da imprensa e dos compradores num único evento. Durante anos, a ModaLisboa coexistiu com aquela realizada no Porto, conhecida como Portugal Fashion e promovida em 1995 pela Associação Nacional de Jovens Empresários, ANJE. O evento, impactado por dificuldades financeiras há dois anos, anunciou no verão passado o cancelamento da sua celebração em 2024. Consultados pelo FashionNetwork.com, os representantes do Portugal Fashion garantiram que “estão a trabalhar no futuro do projeto”, embora os detalhes sobre o mesmo “ainda não pode ser revelado”. Entretanto, optou por partilhar conteúdos digitais desde 29 de outubro, até ao próximo sábado, 9 de novembro, na iniciativa que denomina “Portugal Fashion Sessions – Phygital Showcase”, voltada para o digital.
Calçado português, grande protagonista
Desta forma, o emblemático designer de calçado e acessórios Luís Onofre abandonou os habituais desfiles no Porto para subir pela primeira vez à passerelle lisboeta as criações da sua marca homónima, tornando-se numa das atrações mais relevantes da edição. Da mesma forma, enquanto presidente da APICCAPS, associação focada na internacionalização e profissionalização da indústria nacional de calçado, organizou uma apresentação coletiva de “Calçado Português” na sede da empresa de publicidade Havas, com a participação de diversas marcas como a Ambitious, Carlos Santos, marroquinaria Belcinto, Miguel Vieira, Sanjo, Penha, Valuni ou Tatuaggi.
“O Grande Porto é o cluster da moda mais importante da Europa”, afirmou Paulo Gonçalves sobre a região, onde os setores têxtil e de calçado empregam 300 mil pessoas num raio de 50 quilómetros. “Estamos a fazer um trabalho muito interessante com designers portugueses e internacionais. Este ano houve calçado português nas semanas da moda de Londres, Paris e Nova Iorque”, explicou o responsável da associação, gabando-se de que 50% dos designers da ModaLisboa optaram pelo calçado português nos seus desfiles. Para promover a sua internacionalização, a última edição da passerelle contou com uma grande delegação de convidados americanos.
Sobre as sinergias com a semana da moda de Lisboa, Gonçalves sublinhou a importância de podermos fazer “uma apresentação coletiva da oferta de moda portuguesa: vestuário, calçado e marroquinaria” como forma de afirmar “aqui é Portugal”. E concluiu: “Estamos onde o calçado português é necessário. Se investimos na sustentabilidade ou na inovação, faz sentido que o façamos na parte criativa. Sempre fomos parceiros da ModaLisboa e do Portugal Fashion. Se voltar a acontecer, estaremos lá.”
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