Wednesday, October 16, 2024

Trabalho remoto pode render metade se o empregador for português mas há quem consiga juntar o melhor de dois mundos

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No último estudo anual sobre o mercado de emprego tecnológico em Portugal, a Landing.jobs apurou que os salários no sector em 2024 avançaram em média 0,4%, num abrandamento que também se sentiu no resto da Europa. “O clima de crise e desconfiança económica tornou todos os players muito mais conservadores nas suas decisões, levando a um arrefecimento de um mercado que em 2021 e 2022 estava exageradamente quente”, explica Pedro Moura, Non-Executive Director na plataforma de recrutamento e emprego para a área de TI. “Muitas empresas que cometeram enormes exageros ao nível dos números de contratação e de salários nesses anos têm vindo a corrigir os problemas que daí derivaram”.

O que as análises de mercado também têm concluído é que, em muitos casos, estas oscilações não chegaram para reduzir significativamente a distância entre aquilo que se paga em Portugal e fora, sobretudo nos países para onde mais portugueses emigram, mas também naqueles que mais recrutam talento em Portugal, para trabalhar remotamente.

Neste último cenário em particular, os dados da Landing.jobs continuam a confirmar diferenças enormes, em termos de salários médios anuais: em 2023 de 60% e este ano a rondar os 50%. Continua a ser “uma diferença muito grande e reflete bem o baixo nível de salários praticados pelas empresas em Portugal, em comparação com empresas estrangeiras”, admite Pedro Moura.

“A qualidade dos profissionais de Tecnologias de Informação portugueses é imensamente reconhecida e as empresas no estrangeiro que conseguem contratar esta pool de talento fazem um excelente negócio”, acrescenta o responsável. Mesmo com esta diferença de 50.1%, “o custo total de um recurso em Portugal continua a ser bastante menor que o custo do talento local dessas empresas estrangeiras”.

Os dados do Observatório da Emigração mostram que, depois da pandemia, o número de portugueses a trabalhar remotamente diminuiu, o que faz sentido tendo em conta que as fronteiras voltaram a abrir-se. Os dados apurados pela Landing.jobs apontam no mesmo sentido. A percentagem de profissionais de TI residentes em Portugal que trabalham remotamente para empresas no estrangeiro caiu de 22,6% em 2023 para 16% em 2024.

No entanto, a plataforma de emprego deixa duas notas importantes para interpretar os números. Diz que isto acontece porque houve uma diminuição generalizada na contratação de profissionais de TI nos contextos americano e europeu. Por outro lado, aumentou o número de profissionais TI residentes em Portugal oriundos do estrangeiro, logo “a percentagem de portugueses a trabalhar remotamente para empresas no estrangeiro dilui-se no todo e diminui”.

Ainda de acordo com a Landing.jobs, os países que mais contratam talento português neste tipo de modelo são, por ordem EUA, Reino e Alemanha, países onde o talento TI é caro e escasso. As funções mais especializadas e onde há menos disponibilidade de talento são as que motivam maiores diferenças salariais. Isso acontece, por exemplo mas não só, em áreas como DevOps, Blockchain / Web3 Developers ou Mobile Developers. “Também há casos como UX/Ui Designers e QA/Testing, que tradicionalmente são menos bem pagas por empresas em Portugal”, como frisa Pedro Moura.

El dourado pode ser aqui mesmo

David Sopas fez carreira na área da segurança informática a trabalhar para empresas estrangeiras, a partir de Portugal, e confirma a discrepância. “Uma das maiores diferenças [entre trabalhar para empresas dentro e fora de Portugal] está de facto nos salários. As empresas estrangeiras pagam significativamente mais, refletindo a valorização do sector de segurança informática em mercados mais maduros e competitivos – como os EUA ou a Europa Central”. Essa diferenciação sente-se igualmente nos benefícios complementares, como “seguros de saúde ou planos poupança, mas também nas oportunidades de crescimento profissional que são mais claras e estruturadas”, diz.

David Sopas trabalha em segurança há mais de 20 anos. Conta que foi o “desejo de aprendizagem contínua e a emoção de desvendar o invisível” que o motivaram a seguir este caminho. Hoje é um profissional reconhecido internacionalmente, com passagens por algumas das conferências mais importantes do sector, enquanto orador (Defcon), e referências em várias publicações internacionais (como o TechCrunch) por causa de falhas de segurança descobertas.

Começou a construir a carreira, neste modelo de trabalho remoto, numa altura em que não era tão fácil fazê-lo como passou a ser durante e depois da pandemia, mas em que já existia este tipo de oportunidades em áreas com uma natureza global e digital, como a sua, e para perfis mais específicos e especializados. Aproveitou para tentar juntar o melhor de dois mundos e acha que conseguiu. “Sempre trabalhei a partir de Portugal, mas para empresas estrangeiras. Essa experiência permitiu-me juntar o melhor dos dois mundos: aproveitar a excelente qualidade de vida e clima que temos e ter acesso às condições e oportunidades proporcionadas por multinacionais”.

Em 2017 cofundou uma empresa de segurança, a Char49, onde continua a assegurar funções de COO e a coordenar “uma equipa altamente qualificada que fornece serviços de segurança para todo o mundo”, descreve. Em 2009 tinha criado outra empresa, a Websegura.net, e por isso as perguntas impõem-se: mudou muita coisa nestas duas experiências (para além da sua própria experiência)? Para alguém que pode trabalhar para empresas em qualquer parte do mundo, vale a pena criar a sua própria empresa em Portugal e juntar-se ao desafio de cativar e reter talento? Vale mais agora do que há uns anos, admite o empreendedor, mas o caminho para melhorias continua a ser grande.

“Entre 2009 e 2017, a mentalidade empreendedora em Portugal evoluiu de forma positiva. Na altura, o ecossistema de startups era ainda incipiente e as empresas enfrentavam mais dificuldades em atrair investimento, especialmente nas fases iniciais”. Para além disso, “a burocracia era um desafio constante, tornando o processo de criação e manutenção de uma empresa complexo e demorado”.

Em 2017, admite que já encontrou um cenário diferente. Mais apoio de programas governamentais, iniciativas de incentivo ao empreendedorismo e maior interesse de investidores estrangeiros no mercado português. A burocracia diminuiu mas continua ser um obstáculo, “especialmente em comparação com outros países europeus onde os processos são mais simplificados e ágeis”.

O acesso a capital também melhorou mas continua limitado, “especialmente para empresas que estão a tentar crescer rapidamente”. Se todos estes fatores melhorassem mais e mais depressa, David Sopas está convencido que Portugal também aumentaria a capacidade de reter talento escasso e valioso, porque mais empresas tinham capacidade de criar e desenvolver os seus projetos cá.

Este artigo integra o Especial “À procura de uma vida “melhor”… porque sai cada vez mais talento qualificado de Portugal e o que encontra no destino?” com vários textos que pode ler no SAPO TEK ao longo dos próximos dias. 

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