Saturday, October 5, 2024

Luís Mergulhão: “Há quem precise de investir nos media para ganhar credibilidade”

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Bilhete de identidade Idade: 69 anos
Cargo: Omnicom Media Group, fundador, presidente e CEO (desde 2006); pró-reitor da Universidade Nova de Lisboa (2019 a 2021); vice-presidente da Confederação dos Serviços de Portugal (2011 a 2017); presidente da CAEM – Comité de Audiências (2008 a 2010)
Formação: Licenciado em Economia, Universidade de Lisboa (1977)

As notícias com selo de uma marca de media têm hoje, na era digital, mais valor do que no passado, embora existam dificuldades na sua monetização. Esta é a perspetiva do fundador, presidente e CEO do Omnicom Media Group, convidado desta semana de “Conversas com CEO”, integradas na iniciativa Negócios Sustentabilidade 20|30. Com uma longa carreira na gestão de marcas, comunicação e marketing, Luís Mergulhão considera que vivemos em Portugal um período muito bom já que “há inesperadamente um interesse bastante grande nos media por parte dos investidores”. Porquê, se a rendibilidade é baixa ou mesmo negativa? “Há quem precise de investir nos media para ganhar credibilidade” e isso acontece não por cá. Uma entrevista de mais de meia hora, aqui editada e que pode ser ouvida na íntegra em podcast, onde se fala de “fake news”, da importância da comunicação no caminho para a sustentabilidade, “greenwashing” e do que é ser um media independente ou livre, mas que toma posição quando existem eleições.  

Viveu mais de 30 anos no universo da comunicação, assistiu a mudanças e ruturas. Qual a que mais o impressionou?Foi o que a tecnologia, ou seja, as telecomunicações e as plataformas digitais permitiram aos media e à comunicação. Permitiram um salto brusco, mas ao mesmo tempo deram muito mais valor aos media, que já eram reconhecidos, quer em cada um dos países, quer em termos internacionais. 

Mas os media são hoje mais importantes do que eram?
Claro que sim.

A perspetiva dos jornalistas não é bem essa.
Sim, mas é sempre esta situação de desafio e de amargura. Achamos que vivemos num mundo das ‘fake news’. Não é verdade, houve sempre ‘fake news’. ‘Acudam, acudam querem matar o Mestre’, que leva depois a que se consiga ter à frente da Coroa de Portugal D. João I é uma ‘fake news’. As ‘fake news’ eram divulgadas em rumores ou mesmo até em panfletos no século XVII, XVIII…

Porque é que as ‘fake news’ preocupam hoje mais responsáveis políticos e marcas? 
Porque são tecnologicamente muito avançadas e dominadas por grupos com um poder e uma capacidade de investimento enormes. Muitas vezes estes grupos são países. E é muito difícil confrontar entidades tão poderosas. Só que – e isso é que é o belo da situação – existem as marcas de media. Uma notícia que apareça num jornal, revista, ou numa televisão, tem a garantia e a validação daquele media. O que as redes sociais querem é cliques e se eu vou à procura de um ponto de vista e repetidamente leio até ao fim essa notícia, rapidamente consigo ser inundado só por aquela visão. Mas se eu tiver uma notícia vinda do Jornal de Negócios, por exemplo, sei que tem um valor e que não é, de certeza, ‘fake news’.

Embora o valor da notícia dada pelos media tenha aumentado, não se consegue monetizar na mesma proporção…
Sim, é verdade. Mas também sabemos que isso depende da dimensão dos mercados. Os media têm uma importância focada nas regiões ou nos países onde tenham maior presença. De qualquer maneira há também uma vontade de investimento no setor dos media para combater essa lógica de desinformação. Quando, por exemplo, as marcas deixam de investir de uma maneira clara, primeiro na Meta e depois no X – embora o Elon Musk agora queira fazer queixa das marcas que abandonaram o X, quando ele disse que não precisava dos anunciantes para nada – isto significa que nós, para termos credibilidade, temos de estar onde existe credibilidade.

Mas há aqui um movimento com massa crítica de abandono da Meta e do X?
Não, eles é que vão ser e já estão a ser obrigados a mudar. Deixámos de ter um mundo global no sentido único que tivemos na saída da II Guerra Mundial, embora com uma lógica bipolar. E esta reorganização não é apenas geopolítica, é também cultural. O mundo está numa mudança profunda. Por exemplo, o Augusto Seabra, pessoa que respeitava muito e por quem tinha grande apreço, faleceu e o jornal Expresso publica, com essa notícia, a fotografia do primeiro júri do Prémio Pessoa [ao qual pertenceu].  E vemos o que seria impensável hoje: não há uma mulher. Isto não foi há muitos anos. O mundo muda a uma velocidade muito grande, mas sempre mudou. Nós é que achamos que não.

O marketing ainda é eficaz?
Não é apenas eficaz como é necessário para a evolução das sociedades e é escrutinado. A comunicação de uma marca pode não ser escrutinada no próprio sítio onde é passada, mas é, depois, noutros sítios, nas conversas entre as pessoas, nas redes sociais. Uma marca não pode mentir, pode fazer de conta uma vez, talvez uma segunda, à terceira morre. Tem de mudar de caminho.

Numa altura em que as marcas querem muito mostrar que são amigas do planeta, socialmente responsáveis, se detetar que a empresa não está a ter a prática promovida, o Luís pode dizer não? 
Tenho de dizer não. Não temos apenas um código de conduta, temos uma responsabilidade civil no país. O meu grupo é constituído por um conjunto de empresas e temos uma responsabilidade civil. Temos de cumprir as leis e há determinadas áreas onde nunca aceitei ter clientes.

Mas ainda não se entrou na fase de retirar as empresas dos setores ditos castanhos, como as petroquímicas, as refinarias…
É verdade, mas isso coloca um problema. Há aí uma contradição.?Mario Draghi apresentou um plano à Comissão Europeia que propõe um investimento de 800 mil milhões por ano para a Europa ser competitiva. E porquê? Porque enfrenta entidades muito poderosas, como a China, os EUA ou outros países com um crescimento rápido, que têm práticas sem o mesmo tipo de regulação. No caso da invasão da Ucrânia pela Federação Russa, uma situação inadmissível, vimos o cuidado que alguns países, como a Alemanha, tiveram em gerir o processo. Porque a dependência do gás, naquele caso, não tinha só a ver com o desenvolvimento económico, tinha a ver com coisas muito simples, como o aquecimento durante o inverno.
 

Do ponto de vista das marcas e empresas, é fundamental que as vozes independentes e o espírito crítico continuem a existir.

Como é que se contribui para que as pessoas compreendam melhor os desafios que têm pela frente a nível ambiental? Os políticos têm de comunicar melhor?
Não tenho uma visão negativa dos políticos. Temos de ter a alegria, a lucidez e também a serenidade de perceber que vivemos num país, numa Europa, onde os cidadãos, o que decidem, depois acontece, é concretizado. Claro que pode ser concretizado com solavancos, avanços e recuos, mas isso é normal. Do ponto de vista das marcas e das empresas, é fundamental que as vozes independentes e o espírito crítico continuem a existir. E a única forma de ele ser disseminado é pelos media.

[Os media] são fundamentais, mesmo que não sejam independentes.

Os media são fundamentais? Os media independentes produzidos por jornalistas que respeitam o código deontológico…
São fundamentais, mesmo que não sejam independentes.

Mesmo que não sejam independentes?…
A ideia de um media independente é a ideia do media que não tem posição sobre coisas. Ora, é normal as pessoas, os cidadãos, terem opinião. Eu gosto muito do modelo anglo-saxónico em que os jornais e as revistas, ou mesmo as televisões, quando há uma eleição, justificam perante os seus leitores porque é que tomam partido daquela visão do país.

Mas há uma diferença entre o jornal tomar posição e depois a forma como se noticia, que tem de ser independente.
Mas isso mantém a independência. Porque a independência é dada pelo direito ao contraditório. E o direito ao contraditório, não no espaço relâmpago de um minuto, mas num espaço em que há tempo. E se não for naquela notícia, no momento seguinte. Nós temos de avançar. E vemos que os media hoje, os que têm uma importância grande, têm a sua visão política. E têm porque é dada pela orientação desses media, pela direção, pelos editores e não necessariamente pelos jornalistas. São medias percecionados como sendo livres, não independentes no sentido de não estar a favor de ninguém. São livres de dizerem o que pensam. E contrariamente ao que se possa pensar, acho que em Portugal vivemos um período muito bom. Há inesperadamente um interesse grande nos media por parte dos investidores. Isso é muito importante.

Como explica esse interesse quando a rentabilidade dos media é tão baixa, senão mesmo negativa?
É simples. Vivemos um mundo onde tivemos uma pandemia, uma invasão na Ucrânia, um problema energético grave na Europa, tivemos depois todos os problemas que existem de cisão e recriação de um Sul Global diferente em termos geopolíticos. E, neste quadro, temos uma situação em que a bolsa não cai em nenhuma das praças. Há uma eleição do Presidente Trump, depois do Presidente Biden, vai haver uma nova eleição, e [a bolsa] vai continuar a subir por uma razão simples: não há aplicação alternativa para os capitais.

Sim, mas aplicarem em rentabilidades negativas…
Sim, mas há situações em que pode ser interessante fazer um investimento nalguns casos para ganhar alguma credibilidade. Há quem precise de investir nos media para ganhar credibilidade. E não é apenas em Portugal, no mundo, nos EUA, Reino Unido. Sempre existiu um senhor Murdoch.

Em busca de outros retornos que não os financeiros?
Não é uma questão portuguesa. Acontece em todos os países. O que acho interessante é ver-se essa capacidade também em Portugal, porque permite desafios novos. Se me perguntar, vão ser sempre situações um pouco sob esforço, com pouca capacidade de liquidez… Mas não deixa de haver manutenção das marcas e capacidade de fazerem novos investimentos e crescerem, e isso é que é muito bom. Se o jornalismo hoje é o que era nos anos 80, nos anos 90? Não é.

É melhor ou pior?
É diferente. É bom para os jovens, porque é o que existe para o futuro. E os países são dos jovens, por muito envelhecidos que os países estejam, como Portugal.

O ‘greenwashing’ é um problema? Estas regulamentações europeias são suficientes?
O ‘greenwashing’ não é um problema. O problema é nem todas as companhias e marcas estarem ainda cientes do que têm de fazer. Ou, em muitos casos, estarem cientes, mas não terem capacidades financeiras, tecnológicas ou de ecossistema para o fazer, porque muitas vezes não depende dos acionistas, nem da sua capacidade de investimento. Esse é o grande problema. Claro que depois as companhias precisam de passar a mensagem de que não estão esquecidas do assunto. A principal batalha na sustentabilidade passará sempre pela comunicação. A comunicação ainda está muito nos primórdios. Tem de haver mais comunicação com qualidade e mais atenção. E a comunicação é fundamental para a educação. E se a questão da sustentabilidade em casos concretos no dia a dia estiver presente, aí ganharemos muito. Quantos pais não foram obrigados a separar o lixo em casa pelas crianças que tiveram essa informação através da comunicação e das escolas?

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