Não são apenas as praias do Algarve ou o agito comportado de Lisboa que atraíram os 30 milhões de turistas a Portugal em 2023. Na lista de atrativos, um item importantíssimo ganhou destaque nos últimos anos: a comida. Iguarias como o pastel de nata, o bacalhau, a alheira e, claro, a francesinha atraem pessoas do mundo todo em busca de boa comida — e, cada vez mais, governo e empresas apostam de vez nos bons restaurantes de lá.
“A gastronomia e os vinhos são os polinizadores do turismo nacional, agregando valor às ofertas turísticas da região”, disse Carlos Abade, diretor de turismo de Portugal, durante a pomposa abertura do Guia Michelin 2024, evento que marcou o início do ano na “terrinha”.
A frase dita por Abade não é apenas para chamar a atenção. Em números pré-pandemia, segundo relatório do World Travel & Tourism Council (WTTC), o turismo no país contribuiu com 19,1% para o Produto Interno Bruto (PIB) em 2018. Já em 2019, as Viagens e Turismo representavam 10,5% de todos os empregos (334 milhões) e 10,4% do PIB global (US$ 10,3 bilhões). Os gastos dos visitantes internacionais totalizaram US$ 1,91 trilhão.
Após a COVID-19, os números voltaram a crescer. De acordo com dados compartilhados com Antônio Costa e Silva, Ministro da Economia e do Mar, também na abertura da Gala Michelin, em 2007, o número de dormidas em Portugal era de 37 milhões. Em 2023, saltou para 77 milhões. Ano passado, 25 bilhões de euros foram gerados no turismo.
“As receitas estão crescendo, assim como a velocidade dos hóspedes, com 30 milhões de hóspedes em 2023. Estamos criando mais valor. Isso tem um impacto capilar na economia nacional, já que é uma alavanca para as economias locais. A sazonalidade está diminuindo, já que é turismo em todo o ano”, disse o ministro. “Será transformador para o nosso futuro”.
Portugal em transformação
Ao andar por Portugal, e conversar com pessoas interessadas no tema, é possível sentir essa vontade de aumentar as visitas por meio da gastronomia como um entendimento comum e que atravessa diferentes setores. É um trabalho conjunto.
Pra começar, é preciso falar sobre essa iniciativa do Guia Michelin em Portugal. Foi a primeira vez que o país europeu recebeu o evento sozinho, sem ter que dividir as atenções com a Espanha. Houve um certo dissabor quando nenhum restaurante conquistou as tão sonhadas três estrelas, mas houve aumento nos indicados, Bib Gourmand e estrelados.
O fato é que, com um Guia Michelin para chamar de seu, Portugal ganha uma vitrine: mais pessoas vão notar a boa gastronomia e colocar o país como destino nas próximas férias.
“Temos uma gastronomia diversificada e rica. Há talento de chefs e ingredientes de qualidade. O país tem alguns dos melhores produtos. Peixe, marisco, azeite. Essa combinação é vitoriosa e, com ela, vamos reafirmar o papel da gastronomia e toda a alavanca para o restante do setor”, diz o ministro. “É uma reafirmação da marca Portugal”.
Na mesma semana em que Portugal exibiu seus novos estrelados, a companhia aérea TAP fez um anúncio para buscar reforçar ainda mais o turismo do país. Entre Portugal e Brasil, a companhia oferecia 80 voos semanais. Agora, em 2024, está reforçando as frequências entre os dois países para um total de 96 voos por semana para 11 capitais brasileiras.
Outro ponto é que a companhia passa a servir pratos de chefs renomados no País — alguns deles estrelados — na classe executiva, para dar o gostinho da comida portuguesa. Para quem está usando a “terrinha” apenas como parada de escala, pode dar água na boca para ficar mais. “Queremos mostrar para as pessoas, já dentro do avião, que vale a visita em Portugal pela boa comida, pelos chefs talentosos, pelos bons serviços”, diz Carlos Antunes, diretor da TAP para as Américas. “No final, a roda gira para todos os interessados”.
Nos restaurantes
Um dos pontos de principal atração em Portugal, e que torna o turismo tão interessante, é a diversidade de comida que pode ser encontrada no País. No norte, você tem a região do Douro, com vinhos de qualidade sendo produzidos. Ali do lado ainda tem a cidade do Porto, com seus vinhos com denominação de origem — ou seja, só encontra vinho do Porto ali.
Já no sul, com as belíssimas paisagens do Algarve, você encontra ainda mais opções de frutos do mar. E nem precisa ir em um estrelado: Paladar comeu muito bem no simpático restaurante Don Sebastião, na pequena e turística cidade de Lagos, com Bib Gourmand.
É também em Portugal que você come o verdadeiro pastel de Belém — fora, é apenas pastel de natas.
O fato é que, por lá, se come muito bem: os ingredientes são frescos, de qualidade, e a tradição da comida portuguesa faz com que tudo fique mais saboroso. “Estamos mais e mais atentos com a qualidade dos ingredientes, preocupados em servir bem. Sabemos da importância do turismo para os restaurantes e dos restaurantes para o turismo”, diz o chef Arnaldo Azevedo, do estrelado Vila Foz. “É nosso dever e nosso desejo continuar assim”.
O que falta melhorar, talvez? Afinal, mesmo com a chegada do Guia Michelin único para Portugal, a movimentação demorou a acontecer. Como chegar no nível de turismo de vizinhos como França e Itália?
“Nossa comida é magnífica, os insumos são da melhor qualidade. Temos vinho do Porto, temos azeite, temos bom serviço”, diz o chef Rui Paula. “Acredito que precisamos mostrar mais isso ao mundo. É a tarefa de agora”.